Meu direito de ser triste
Tentamos fugir da tristeza porque
ela traz dor e desconforto. No entanto, há também beleza e crescimento no
caminho da dor.
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Pego emprestado o titulo de um artigo do
psiquiatra infantil, Oswaldo Di Loretto para falar do quanto tendemos a fugir
das tristezas que são naturais no decorrer da vida. Nos tempos bíblicos do
Antigo Testamento, o pranto fazia parte da cultura israelita. Era comum as
pessoas aparecerem em público vestidas com panos de saco e com cinzas sobre a
cabeça, como sinal de uma tristeza profunda decorrente do luto ou de um drama
humanamente sem solução. Todos respeitavam a atitude, e muitos eram solidários
ou se identificavam com o sofredor. Ou seja, havia um espaço na vida das
pessoas para se entristecer e aceitar a tristeza do outro.
O tempo passou, alguns hábitos
foram extintos e novas posturas ganharam espaço. Hoje, vivemos uma época em que
a tristeza é vista como um mal que deve ser evitado a todo e qualquer custo.
Isso fica claro quando não queremos contar a verdade sobre um diagnóstico de
doença terminal e usamos argumentos paliativos em relação ao doente, ou quando
oferecemos calmantes a alguém antes de contar da morte de um amigo ou parente
próximo. Em muitos cultos religiosos, os fiéis são até estimulados a jogar a
tristeza fora, como se o abatimento e a angústia fossem sentimentos
prejudiciais e não aceitos por Deus.
E o problema começa bem cedo. As
crianças não têm a permissão para ficarem tristes. Os pais sempre dão um jeito
de arrumar algum entretenimento para o pequeno que quebrou o brinquedo favorito
ou perdeu o bichinho de estimação; rapidamente, o filho choroso é contemplado
com um novo brinquedo ou outro animal, sem ter tempo para internalizar o
sofrimento e amadurecer diante da dor da perda. Pior ainda é quando se oferece
um chocolate ou bala para a criança entristecida, como que querendo “adoçar”
algo que deve ser vivenciado, e não camuflado. No caso dos adultos, é grande o
arsenal de drogas medicamentosas que têm a capacidade de amenizar e bloquear a
tristeza, promovendo uma alegria mecanizada e sem contentamento. Em nossa
sociedade, toda manifestação de tristeza é vista como um tipo de depressão que
precisa ser medicada.
Esquecemo-nos, contudo, que quem
não consegue vivenciar a tristeza em toda sua profundidade também não
conseguirá sentir a alegria em toda sua intensidade. Engana-se quem pensa que
só a alegria expressa satisfação e contentamento na vida. É possível
experimentarmos a tristeza, mesmo que intensa, e ainda assim revelarmos um
coração satisfeito e contente, produzindo tesouros para nós mesmos e para os
outros. “A poesia nasce da tristeza”, diz Rubem Alves.
Todos, mais cedo ou mais tarde,
passaremos por tristezas. Algumas serão leves e passageiras; outras, profundas,
como as perdas trágicas e inesperadas. Outros carregarão sempre uma história de
privação e desamparo. Porém, podemos reconhecer as dores vividas e encontrar,
no lamento – às vezes, milagrosamente –, cicatrização das feridas. Claro,
tentamos fugir da tristeza porque é um sentimento que traz dor e desconforto.
No entanto, há também beleza e crescimento no caminho da dor. A compaixão, a
misericórdia, a ternura e o amor são desenvolvidos com muito mais profundidade
por aqueles que se abrem e corajosamente vão até o fim no processo de se
entregar às situações de profunda tristeza, estejam elas presentes ou
circunscritas ao passado.
Salomão, rei de Israel nos tempos
bíblicos e tido como um homem extremamente sábio, descobriu essa realidade. São
dele as palavras: “A tristeza é melhor do que o riso, porque o rosto triste
melhora o coração”. Cristo, por sua vez, experimentou o pranto publicamente,
quando chorou a morte de seu amigo Lázaro. A caminho do Calvário, o Filho de
Deus entristeceu-se profundamente diante da perspectiva de tamanho sofrimento.
Em outras ocasiões, contudo, ele foi a festas e alegrou-se com seus discípulos.
Então, podemos concluir que tanto a tristeza quanto a alegria são sentimentos
que fazem parte do ser gente.
Quem conhece a tristeza no
próprio ser sabe acolher as pessoas que passam pela dor. Gente assim consegue
aceitar, respeitar e criar espaços para que aqueles que derramam lágrimas de
tristeza, seja lá qual for a razão.
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