Livre das formatações religiosas
O controle, a manipulação pelo
medo e a lei fazem surgir grupos numericamente expressivos, que convivem em
ambientes castradores onde a graça e a liberdade não têm espaço.
É interessante o que acontece dentro das
penitenciárias brasileiras. Quase todas elas, hoje, possuem um grupo de
evangélicos como internos. Em sua maioria, eles conheceram a Cristo depois da
condenação, e agora fazem questão de viver uma proposta espiritual rígida,
legalista, até mesmo punitiva. Essas pessoas, quando despertam para uma
experiência religiosa, adaptam-se melhor dentro desse tipo de doutrina. Como se
não bastasse sua situação encarceramento físico, os crentes das prisões ainda
optam por participar de congregações cujas normas e regras os aprisionam mais
ainda! Psicologicamente, é uma escolha, até certo ponto, compreensível.
Presidiários cristãos precisam de uma religiosidade capaz de impor limites a
seus desejos e comportamentos – os mesmos que, um dia, afloraram de maneira
desordenada, levando-os para trás das grades. Sabem , portanto, o quão
perigosos são os instintos; melhor, então, controlá-los. E nada mais eficiente
para isso do que a imagem de um Deus controlador.
Mas não são apenas detentos que
têm dificuldade para lidar com a liberdade espiritual. Cada vez mais pessoas
estão aderindo a experiências religiosas e eclesiásticas nas quais se depende
cada veza mais da figura de uma pessoa ou de um grupo de pessoas para ditar
comportamentos e pensamentos. O controle, a manipulação pelo medo e a lei fazem
surgir grupos numericamente expressivos, que convivem em ambientes castradores
onde a graça e a liberdade não têm espaço.
Felizmente, não precisa ser
assim! A espiritualidade livre vivida por Jesus é o antídoto capaz de nos curar
desse tipo de patologia religiosa. Cristo viveu e pregou uma espiritualidade da
liberdade – e, por consequência, libertadora. Ele foi livre das formatações
religiosas dos seus dias. Não se deixou aprisionar pelos esquemas teológicos
dos escribas; rejeitou a prisão intelectual dos saduceus, escravos da razão e
incapazes de crer no sobrenatural, na ressurreição; tampouco viveu encarcerado
no deserto, como os essênios. O Filho de Deus também condenou a neurose comportamental
dos fariseus, para quem tudo era uma questão de retidão do agir. Livre, Jesus
passeou no pátio humano das ofertas aprisionantes. Livre dos esquemas
religiosos, pôde se aproximar daqueles de quem a religião era inimiga:
prostitutas, publicanos, leprosos, pecadores...
E o que dizer de sua liberdade
das circunstâncias? “O barco vai afundar!”, gritavam todos, assustados com as
ondas. No entanto, lá estava o Mestre, cochilando, com o coração acima daquilo
que apavorava os outros. E o que dizer da ditadura do amanhã? “O que comeremos?
Como nos vestiremos? O que vai acontecer?”, perguntamos. Diz ele: “Não se
preocupem. O Deus das orquídeas, dos lírios e dos pássaros vai cuidar de
vocês”. Que liberdade maravilhosa nasce quando vivemos isso!
E sua saúde emocional? Que imensa
liberdade de sentimentos e emoções! O Salvador viveu aqui livre para rir e
chorar. Era, também, livre para se irritar e até usar um chicote. E livre para
dizer ao Pai que a carga sobre ele estava pesada. “Passa de mim o cálice” era o
pedido de alguém que não estava preso a um papel social, que não tinha que
viver para alimentar sua posição eclesiástica ou manter a liturgia dos cargos.
Ele não impostava a voz, não fingia; era simplesmente quem era, fosse numa
madrugada solitária de oração ou diante das multidões.
E sua liberdade com Deus? Por
gozar de uma relação amorosa e graciosa com o Todo-poderoso, Cristo o chama de
abba, ou “paizinho” – um sussurro de
afeto. Jesus era tão livre que, ao enfrentar o absurdo da dor e do sofrimento
da cruz, teve coragem de perguntar a Deus o motivo de tê-lo abandonado. Ah! Que
essa liberdade da espiritualidade de Jesus abra as portas das nossas prisões e
nos conduza a um jeito de ser e viver no qual sejamos livres dos esquemas
religiosos que nos escravizam! Igualmente, que essa espiritualidade libertadora
nos exima da massacrante luta por ganhar mais agora para viver melhor no
futuro, das expectativas das pessoas, dos papéis que desempenhamos e de uma
figura divina com a qual não podemos brigar e nem chamar, carinhosamente, de
paizinho. Afinal, como disse um dos maiores intérpretes da mente e da vida de
Jesus, foi para a liberdade que ele nos libertou!
Que essa espiritualidade livre
abra as portas das nossas prisões e nos conduza a um jeito de ser e viver no
qual sejamos libertos dos esquemas religiosos que nos escravizam.
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